Quem nasceu no Pajeú tem história pra contar,
Principalmente a respeito da cultura popular.
Fluindo quente dos lábios,
Até seus loucos são sábios.
Alguns com certo heroísmo, trajados de combatentes,
Deram provas evidentes de amor e patriotismo.
Pois bem, Antônio de Juvita é filho daquela terra,
Criou-se vendo e ouvindo história e cenas de guerra.
Antes da maioridade, atacou-lhe uma vontade de ser soldado guerreiro,
E quando a guerra começou, uma noite ele sonhou brigando no estrangeiro.
E no desenrolar do sonho, viu os campos de batalhas,
Soldados enlouquecidos sob o fogo das metralhas.
Capacetes estourados, restos mortais espalhados pelo chão,
O mundo pegando fogo e Hitler bancando o jogo no pano da perversão.
Começou a ler os jornais que reportavam o conflito,
Um dia deixou a mãe em São José do Egito e foi parar no Recife,
Onde pagou um cacife bem maior do que devia,
Morando com uma nega no cabaré da galega por trás da Rua da Guia.
Quando a esquadra alemã afundou nossa frota no ano quarenta e dois,
E o Brasil declarou estar em beligerança,
Antônio ficou em ânsia para atirar de fuzil,
Fez-se auto-convocado e se trajou de soldado pra defender o Brasil.
Mandou tirar o retrato, botou dentro duma escrita,
E mandou pra sua mãe, a coitada da Juvita.
Na carta, ele explicava que pra semana embarcava,
Com fuzil, bala e bizaque.
Naquele exato momento, a mãe teve um passamento que quase vai pro buraco.
E Antônio prosseguiu com a mesma obsessão,
Toda semana um retrato, uma carta e um cartão.
E a mãe querendo morrer,
Vendo a hora receber notícias que não queria.
Nem de longe imaginava que as cartas que o filho mandava vinham da Rua da Guia.
Um retrato de combate quando o jornal estampava?
Antônio pegava a tesoura com cuidado e recortava,
E mandava pra mãe vexado:
“Mãe, conhece esse soldado de capacete amarelo e perreira avermelhada?”
Sou eu dando uma brigada num tal de Monte Castelo.
Já prendi tanto inimigo que só quem sabe sou eu.
Ontem, quase eu pego Hitler, mas o danado correu no momento que me viu.
Desapareceu, sumiu.
Mas, mãe, eu prometo a tu: quando eu pegá-lo indefeso,
Ele vai sentir o peso dum cabra do Pajeú.
Seu mundo de fantasia era tão admirável,
Que ultrapassava o campo do poder imaginável.
Encarnava o personagem de acordo com a reportagem publicada no jornal,
Sua dramaticidade tinha tanta qualidade que parecia real.
Um dia, Antônio recortou umas fotos coloridas,
Onde aparecia um homem com as duas mãos erguidas,
E um sujeito maluco lhe apontando um trabuco no ato de rendição.
E com essa matéria farta, enviou mais uma carta pra sua mãe no Sertão.
E, nela, dizia: mãe, a senhora tá lembrada quando um dia lhe jurei que ganhava essa parada?
Olha, o Hitler aí do lado com os braços alevantados,
Pedindo pra eu salvá-lo e chorando de arrependido.
Eu tô até comovido com vontade de soltá-lo.
Na hora que eu prendi ele, a senhora não acredita,
O danado olhou pra mim e disse: Antônio de Juvita?
Tu não tá me reconhecendo? Não me mate que eu me rendo,
E jurou na mesma hora que quando sair daqui vai comigo até aí,
Dar um beijo na senhora.
Ô, mãe, que conversa é essa? Té onde essa história vai?
Será que estou enganado judiando de meu pai?
Eu não tô acreditando, mas agora reparando,
Direito na cara dele,
Eu vejo que o outro dançou, é por isso que eu sou meio parecido com ele.
Pra mim, a guerra acabou,
Amanhã saio daqui, vou morar no pé-de-serra, lugar onde eu nasci.
Vou rever meus camaradas, viver das minhas caçadas
De preá, peba e jacú.
Fazer minhas pescarias e me banhar todos os dias
Nas águas do Pajeú.